Os processos de industrialização e urbanização, tanto na Europa quanto no Brasil, apresentam-se acompanhados de um novo olhar sobre a natureza. Antes vista como sombria e perigosa, a natureza e seus elementos passam a ser compreendidos como benéficos para a recuperação da saúde e da moral da população urbana, constituindo-se inclusive como prescrições médicas contra os males da cidade. Esse discurso de uma natureza benéfica tornou-se, cada vez mais, interlocutor de certa vertente do discurso médico-higienista, que passou a prescrever em seu receituário e recomendar em seus artigos o retorno à natureza. O objetivo deste artigo foi compreender as prescrições de práticas junto à natureza veiculadas por esse discurso médico na Revista Educação Physica, periódico especializado em esportes e educação física que circulou entre 1932 e 1945. Como resultados, percebemos que quase todos os volumes analisados da revista tratam de algum aspecto voltado à cura, regeneração ou divertimento em meio à natureza, seja através de exercícios físicos, da hidroterapia ou o contato com montanhas, alcançando seus cumes. Concluímos que esta revista corroborou com esta vertente do discurso médico higienista, ao associar as práticas em meio à natureza a valores morais, físicos e higiênicos que eram desejados para o fortalecimento dos corpos brasileiros do período.
The process of industrialization and urbanization in Europe and in Brazil were followed by new ways of looking at nature. Once considered dark and dangerous, nature and its elements start to be understood as beneficial for the recovery of both the health and moral of urban population, and were even prescribed by physicians as a means against urban illnesses. This discourse of a beneficent nature increasingly turned into the correspondent of certain branch of the medical hygienist discourses that started to write articles prescribing and recommending a return to nature. This paper aims to comprehend the prescriptions regarding practices alongside nature disseminated by the magazine Educação Physica, a specialized journal published in Brazil between 1932 and 1935. As a result, we realize that almost all the numbers we analyzed dealt with some aspect related to cure, regeneration or amusement amidst nature, whether through physical exercises, hydrotherapy or the contact with mountains, reaching their peaks. We conclude that this magazine supported this branch of the medical hygienist discourse by associating practices amidst nature to moral, physical and hygienic values desired for the strengthening of Brazilian bodies of that time.
O início dos processos de industrialização e urbanização da Europa entre os séculos XVIII e XIX marca o advento de novos olhares para a natureza. Embora uma mudança na sensibilidade com relação à natureza e seus elementos como a água, o clima e as montanhas já começasse a se operar no início do século XVII, com a emergência de uma vontade de desfrutar do espetáculo da natureza, das paisagens que exercem um novo fascínio incentivado pelos quadros e pela literatura romântica, ela somente se acentuaria, de certa forma, com o crescente galopar da industrialização que intensifica cada vez mais as fronteiras entre a natureza e a vida urbana, especialmente visível pela separação entre campo e cidade: há uma crescente repugnância pela aparência física dos aglomerados urbanos
O crescimento caótico e rápido das cidades exacerba as devassidões contidas em seu interior: é crescente o mau cheiro, o esgoto, a mortalidade, a aglomeração de pessoas nos passeios e nos bairros. De acordo com
Uma das vertentes deste discurso higiênico adota a natureza como a exata contradição aos malefícios urbanos: o campo é visto como um local moralmente mais benéfico do que a cidade (
Os males urbanos que assolavam as cidades europeias chegaram ao Brasil tardiamente, já que o aumento populacional nas cidades se deu apenas na passagem do século XIX para o XX. Em cidades maiores, como São Paulo, a chegada dos imigrantes e de habitantes oriundos da zona rural favoreceu a consolidação do processo de industrialização e possibilitou que a cidade tomasse ares de um centro urbano, o que, por sua vez, atraía ainda mais moradores.
Os choques culturais e a percepção das diferenças tornaram-se fatores relevantes com esta nova confecção da malha urbana, e nem sempre eram relações fluidas. Para
Estas relações contribuíram para o advento de novas preocupações, especialmente no que diz respeito aos aspectos sanitários (
Não se pode afirmar que o ideário médico higienista brasileiro era homogêneo em suas concepções de saúde e higiene moral (
As montanhas, praias e outros panoramas pitorescos ganharam logo o aval da medicina brasileira como possibilidades adequadas para a cura deste esfalfamento urbano. A natureza proposta e prescrita tinha ares de domesticação e ampla modelagem através das mãos humanas (
No Brasil, na passagem do século XIX para o XX, houve uma fértil cultura de revistas. Conforme
Em meio a esta expansão dos periódicos em território nacional vemos surgir, especialmente a partir da década de 1930, revistas voltadas para a divulgação de aspectos científicos e pedagógicos relacionados aos exercícios físicos e do esporte. Segundo
Esta revista, produzida em um período de significativas mudanças econômicas e sociais no Brasil, o Estado Novo, zela em suas páginas por um modelo de educação do corpo de homens e mulheres que forja o intento de enobrecer a raça brasileira e aumentar a força produtiva da nação, através dos esportes, das ginásticas e outros procedimentos voltados ao trabalho corporal. Segundo
Dado seu pioneirismo e sua importância na constituição do campo da educação física e dos esportes no país, a revista
A respeito de uma “construção do homem novo” brasileiro,
Os temas sobre os quais a publicação versava giravam em torno de debates como a higiene, a educação, o valor dos exercícios físicos, o sentimento de nacionalidade, o progresso e a moral (
Buscando seguir a lógica deste levantamento realizado pela própria revista,
Com uma publicação não constante, embora autodenominada mensal, a revista alcançou 88 números, considerado um grande marco para um periódico desta época que se dedicava a uma temática especializada, que se comprometia “com a divulgação da ideia de que a Educação Física e os esportes são fundamentais na formação da juventude e na preparação de mulheres e de homens para o enfrentamento de obstáculos inerentes à vida cotidiana, urbana e moderna” (
As revistas utilizadas para esta pesquisa foram encontradas nas Coleções Especiais da Biblioteca Asdrúbal Ferreira Batista, da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Do total de 88 exemplares que foram publicados ao longo dos treze anos de existência da revista, foram encontrados nesta coleção 69 exemplares, o que significa que pudemos analisar 78% dos números publicados. Nessas revistas, analisamos especificamente os discursos voltados ao bom aproveitamento da natureza, que abarcavam desde prescrições de passeios, indicação de uso de alguns elementos naturais, até receituários médicos que incluíam os elementos da natureza como medicamentos indicados para a cura.
No combate às mazelas das cidades brasileiras que atingiam seu esplendor na aurora do século XX, como a já exemplificada São Paulo, os médicos higienistas e sanitaristas ganharam destaque, buscando produzir locais e modos de vida diferentes, mais benéficos moral e higienicamente do que aqueles assumidos pela maioria da população.
O ideal de corpos belos, fortes e úteis era caro à formação da nova sociedade que se desejava para um Brasil que se urbanizava e industrializava. A cidade figurava como um local perverso e sujo, ainda que berço da nova civilidade brasileira, e ameaçava o vigor físico, a saúde, o progresso e a civilização. Era preciso impedir que o estilo de vida urbano se tornasse responsável por definhar os corpos e os nervos de seus habitantes.
A fadiga, um dos grandes vilões já apontados na vida urbana europeia, também emergia nas páginas da revista Educação Physica como um componente importante no desgaste cotidiano proporcionado pela cidade:
A vida moderna, especialmente nas grandes cidades, impõe um desgaste físico extraordinário. É o “struggle for life” — tudo pela vida — dos ingleses, que esgota o sistema nervoso e rebaixa o “standard” orgânico, encurtando a existência humana (
A vida na cidade afastava o contato dos habitantes com as fontes produtoras de energia e de saúde, embora fosse o local prioritário para um estilo de vida moderno. Estabelece-se, então, um distanciamento entre a vida na cidade e a vida na natureza. Em artigo intitulado “Volta à natureza”, o autor, Braulio Laurencena Drescher, diz que o luxo proveniente da cidade faz com que os indivíduos percam suas qualidades físicas e morais, o que é atrelado diretamente à decadência física da raça brasileira. O autor continua dizendo que os resultados da vida urbana não são agradáveis, e que as consequências são inúmeras, destacando:
a) fadiga, irritabilidade, nervosidade, histeria, demência b) desordens do fígado, rins e systema circulatório c) esforço dos sentidos especiaes como a vista, os ouvidos, etc.. especialmente nas indústrias [...] Transtorno do systema digestivo, produzidos por alimentação impropria Falta de ar livre e sol devido às más vivências (
É imperativo neste discurso que o habitante das cidades deve abandonar os ritmos urbanos, mesmo que por um momento, para se voltar para outras relações, que começam a ser explicitadas a partir do contato com a natureza. Os fatores que deveriam levar um habitante da cidade a afastar-se das obrigações diárias deveriam ser, de fato, a fadiga mental e o desgaste físico proporcionados pelas atividades; os tempos prejudiciais à vida, poderiam e deveriam ser quebrados com uma viagem de volta à natureza:
O turista deve procurar “renovar-se” não só proporcionando aos seus próprios olhos espetáculos e objetos novos, como procurando levar uma vida, embora por pouco tempo, diferente de todas as “Viagens em zig-zag”, é necessário “suscitar contrariedades eficazes” que se obteem com preocupações pessoais, de índole muito diversa das que sentimos comumente porque se referem aos esforços físicos que manteem o corpo e a alma em atividade, para suportar privações e transpor obstáculos. Escalar cumeadas com o fim de proporcionar-se o espetáculo incomparável que se contempla das alturas; caminhar quilômetros buscando as nascentes dos rios e dos riachos; descer ao fundo dos barrancos e precipícios, são causa de esforços prolongados, de sofrimento mesmo, mas sofrimento doce, que obrigam o organismo a intensificar suas funções e acabam em prazer físico e espiritual (
Um dos períodos eleitos pelo discurso médico para que se desse essa “fuga” do meio urbano rumo à natureza eram as férias. As correntes médicas que se ocupavam da melhoria do corpo e da produtividade do trabalhador impunham a necessidade deste período de descanso como compensação ao esfalfamento causado pelas intensas rotinas no meio urbano-industrial. Setores mais radicais da moralização dos costumes e higienização das cidades e da sociedade, como os eugenistas, também aprovavam o afastamento da população para locais junto à natureza nos períodos de férias, bem como em outros momentos, como os finais de semana. Renato Khel
Não há povo civilizado que não conheça e não pratique esta importantíssima obrigação sanitária de ausentar-se, todos os anos, das ocupações, indo passar uns dias à beira mar ou nas montanhas, respirar ares diversos, descansar a vista em paisagens diferentes, poupar os órgãos das mesmas intoxicações; em suma, criar novas fôrças, fortalecer-se, rejuvenescer-se, para um novo ano de lutas. (
A natureza que auxilia as prescrições médicas, como as propostas por Khel, não é aquela selvagem tampouco aquela que apresentava ares rurais: seus elementos, quer seja o sol, as montanhas ou as águas eram tratados com um rigor científico que caracterizava o positivismo como ideologia médica dominante (
O sol como importante provedor de recursos energéticos para os tecidos é um elemento resgatado pelo “novo naturalismo do século XX”, conforme
O sol age terapêuticamente sôbre grande número de estados mórbidos. Antigamente, as curas solares eram feitas de modo empírico e, mesmo assim, com reais proveitos; atualmente elas se assentam em experiências e fatos indubitáveis, após as conquistas de Finsen e de seus continuadores, estabelecendo-se regras perfeitamente científicas, constituindo-se o novo ramo da arte de curar denominado helioterapia (
1º No primeiro dia se expõe unicamente a primeira zona (pés e pernas) á acção directa do sol, durante 10 minutos 2º No segundo dia, repete-se o que se fez no primeiro e immediatamente depois se expõe a segunda zona, sem cobrir a primeira. Ambas ficarão expostas durante 5 minutos. Quer dizer pois, que, o dia da 2ª zona recebe -5 minutos de banho e a segunda só 5 3º No terceiro dia, repete-se o que se fez no segundo [...] (
As queimaduras e contraindicações do uso do sol também apareciam como fatores relevantes na divulgação deste elemento natural. As diferenciações entre os raios ultravioletas e infravermelhos já estampavam as discussões das revistas, definidos como as causas recém descobertas da insolação e dos malefícios do sol. Ainda assim, a exposição ao sol era indicada, com ressalvas e cuidados para aqueles que desejavam usufruí-lo:
Entre as enfermidades produzidas pela acção dos raios solares, temos a insolação, por exposição do corpo humano á acção directa de um sol intenso durante alguns minutos. É frequente nas praias balneárias, em que a maioria das pessoas comparece sem nenhuma experiência, com um objectivo apenas: queimar-se ao sol, sem tomar nenhuma precaução. Observam-se, ás vezes, casos, graves em virtude das pessoas exporem-se, em demasia, ao sol. (
Outro fator considerado relevante para o bom usufruto dos banhos de sol eram os acessórios adequados para a boa prática da helioterapia: óculos, chapéus, cremes e trajes específicos adentraram o universo do contato
A extensa difusão que os óculos escuros contra o sol já encontravam, funcionando principalmente como um item de moda, preocupava de certa forma aqueles que indicavam a helioterapia. De acordo com
Além dos óculos, outras preocupações deveriam acompanhar o vestuário dos banhistas, para a proteção dos excessos ocasionados pelos raios solares:
Para que a pele possa suportar as exposições prolongadas, sem prejuízos, é aconselhável o uso dos cremes ou líquidos que a protejam. [...]. Convém recordar que é perigoso receber os raios solares sôbre a nuca ou na parte superior do pescoço, de modo que quando não se tem um amplo chapéo, é preciso proteger com um lenço grande ou com uma toalha (Regras, 1939, p. 33)
A progressão utilizada ao longo dos dias e a incidência dos raios de sol sobre o corpo eram questões centrais da helioterapia, ao ponto de tabelas serem montadas para auxiliar os banhistas. Pacífico Castelo Branco aponta em artigo intitulado
A água foi outro elemento que ocupou lugar de destaque nas páginas da revista
Calculando-se o número médio de micróbios deixados na banheira após o banho e tendo em conta a superfície do tegumento cutâneo, chegou-se à conclusão de que podem existir 40.000 em cada centímetro quadrado de pele. [...]. Além de imundície, a falta de banho diário representa um atentado às narinas estranhas, à própria saúde, visto permitir a população de germens patogênicos, sempre prontos a invadir o organismo incauto na primeira oportunidade (
Há, neste mesmo artigo, uma diferenciação entre os usos das águas quentes e frias na tônica do organismo. O banho frio deveria ser tomado todos os dias pela manhã, de forma breve, para que não houvesse perdas excessivas de calor. Os benefícios seriam sentidos depois do banho: “a pele aquece-se e colore-se de novo, a respiração torna-se ampla, o pulso cheio, o indivíduo sente legítimo estado de euforia, um bem-estar agradabilíssimo” (
Já os banhos mornos, com temperatura até 30ºC, só eram aconselhados aos velhos e às crianças, por sua ação calmante e sedativa, apropriadas para o uso daqueles com os corpos estafados. O autor desaconselha o uso de banhos acima de 32ºC, já que esta temperatura ao invés de revigorar o corpo, apenas servia para o deixar amolecido. Com relação aos banhos de vapores, banhos turcos ou russos, afirmava que estas práticas serviriam apenas para o luxo ou a apreciação da novidade (
O modelo de banho mais divulgado nas páginas da revista era o banho de mar, aliado ao clima marítimo proporcionado por uma estadia nas praias. O uso destes locais, que ficavam apinhados de visitantes no verão, deveria ser feito com cautela pelos banhistas. A primeira regra que deveria ser observada era o tempo a ser guardado entre a refeição e o banho de mar, contando “uma ou duas horas depois de uma ligeira refeição, e três ou quatro horas após um almoço ou jantar fortes, com excepção daquellas pessoas que sómente podem tomar banho em jejum” (
A forma adequada de banhar-se deveria seguir à risca as indicações. O ideal era que todo o corpo, inclusive a cabeça, fosse submergido ao mesmo tempo; uma vez dentro do mar, o banhista deveria abaixar-se e levantar-se alternadamente, ou então nadar durante todo o tempo que o banho durasse (
1º - Procurar passar, pelo menos, três semanas de descanso.[...] 2º - Tomar cada dia quatro banhos: de ar, que durará todo o dia; de mar, que durará 5, 10, até 15 minutos; de movimentos (exercícios), que durará uma hora; e finalmente banho de sol, que durará de 5 até 30 minutos 3º - Vestir-se racionalmente [...] 7º - Deitar-se cedo e dormir de 8 a 10 horas, completando-as com a sesta. Tomar um banho de chuveiro para retirar todas as partículas de areia que tenham aderido à pele. (
As águas quentes tinham indicações de uso totalmente controladas, a começar pelo local de seu usufruto, uma vez que se reservava a estabelecimentos termais, sob a vigilância de funcionários que cuidavam para que as prescrições médicas fossem respeitadas. Para
Ainda conforme Pathault, a hidroterapia funcionava como um meio para a obtenção da saúde, e não como um fim. Logo, era necessário cuidar do que vinha antes e depois, atentando-se aos detalhes, como a temperatura do ambiente e da água, e os procedimentos após o fim dos banhos. É desta forma que o autor explica o insucesso de alguns tratamentos:
É justamente porque não se explica ao pessoal nem aos ajudantes o sentido e o valor dêsses fenômenos, que vemos tantos erros cometidos diariamente. Muita gente que toma seu banho ou sua ducha, retira-se do estabelecimento sem outro beneficio que uma satisfação passageira, o que não é, de modo algum, uma ação profunda e durável. Não obtém, dêsse modo, a décima parte das vantagens que poderiam obter si houvessem sabido utilizar-se melhor dos meios, sejam sedativos, sejam estimulantes, que se tem o direito de conquistar (
As ações curativas das águas quentes são expostas em outro artigo, intitulado “O tratamento hidroterápico na paralisia infantil”. O autor Galdino Nunes Vieira atribui o aumento nos casos de paralisia infantil às relações da vida moderna, que degeneram física e moralmente os seres humanos. O tratamento da paralisia com as águas termais era eficaz por conta de três características. A primeira eram as ações térmicas proporcionadas pelas águas quentes; a segunda, as ações mecânicas como a ginástica funcional e as massagens; e a terceira as ações nervosas, que se davam pelo estímulo proporcionado ao sistema nervoso com a imersão nas águas (
Além dos raios solares e das águas, as montanhas também ganharam destaque nas páginas da revista
Em um artigo de Hollanda de Loyola intitulado “Montanhismo”, é exaltado o caráter utilitário desta prática, digno de ser utilizado para a educação integral da juventude. Além do prazer sadio da vida ao ar livre em contato com a natureza, este “desporto” era indicado por suas qualidades morais, como o “robustecimento da saúde e a recreação do espírito” (
A marcha nas montanhas se mostrava um exercício físico diferente em esforço daquele realizado no plano, e exigia alguns cuidados.
Uma razoável moderação, sabiamente imposta aos imprudentes ou inconscientes por intermédio de instruções aos guias, e mesmo ordens terminantes para não se permitir imprudências, puzeram felizmente côbro á fúria daqueles que pensavam haver glória em correr e vencer maratônas montanhistas, mesmo sem gozar as principais vantagens da montanha que são: o ar puríssimo, uma insolação preciosa e rara e a tranquilidade tônica das grandes altitudes. (
A principal indicação das matérias da revista a este esporte era aquela de viés patriótico. O excursionismo e o montanhismo foram atividades prescritas por despertarem o interesse da população com relação às belezas naturais do país (
A própria revista tentaria se incumbir de divulgar os recantos pitorescos do país em colaboração com os clubes excursionistas brasileiros. Na seção “Sugestões para o fim de semana”, criada em 1944 para dar suporte a esta iniciativa, o local divulgado foi o recreio dos bandeirantes, no Rio de Janeiro (
Apesar das críticas à falta de incentivo governamental ao desporto, Aroldo Moreira, secretário administrador do Centro Excursionista, aponta que a criação da UBE (União Brasileira de Excursionismo) fora um passo muito importante na divulgação do desporto, e que a falta de propaganda poderia deixar de ser um empecilho agora que o excursionismo havia se tornado mais organizado (
O que se percebe ao olhar para as 69 edições da Revista
Ao folhear suas páginas, percebemos que as águas, os raios solares e as montanhas, com seus ares mais salubres e percursos desafiadores, desde que utilizados de forma racional, segundo prescrições muito bem delineadas pela medicina, emergem como importantes espaços de regeneração física e moral frente aos males e vícios impostos pelos meios urbanos. A natureza era promovida nas páginas da revista de diversas formas: através de indicações de viagens rumo a destinos em meio à natureza; da indicação da maneira correta de se fazer as malas e procurar pelos destinos; da indicação da quantidade dos elementos a se ter contato, como nos raios de sol, água do mar e águas termais. Outras formas de indicar a natureza tinham como aliado o discurso do bom aproveitamento das férias, e de que este tempo deveria ser vivenciado longe das cidades, em locais rodeados pela natureza.
É preciso frisar também que não se falava ali de qualquer natureza: não havia indicações de destinos perigosos ou aqueles em meio ao mundo rural, sinônimo de doença e moleza. A natureza indicada nas páginas da revista era aquela já analisada, medida e quantificada pela ciência, que deveria ser aproveitada a conta-gotas. Afinal, aqueles que a procuravam deveriam dosar seu uso, para que não se exigisse demais dos corpos nos tempos de descanso, mas que, ao mesmo tempo, não se deixassem levar pela ociosidade. Assim, é possível afirmar que esta natureza só foi possibilitada nas páginas das revistas depois de uma minuciosa investigação científica a respeito dos elementos naturais presentes nos discursos.
Podemos concluir, portanto, que as revistas de vulgarização científica serviram para impulsionar o turismo em meio à natureza, alinhando essa prática aos ditames médicos e higiênicos.
Apesar de a urbanização ter sido um fator importante na ascensão do higienismo no Brasil, não podemos atribuir uma relação de causa e efeito entre estes processos, uma vez que grande parte da população ainda habitava as zonas rurais e poucas eram as cidades brasileiras de grande porte neste período.
A ortografia da época foi mantida nas citações dos documentos
Renato Khel defendia desde práticas vistas como mais brandas, como o higienismo e sanitarismo das cidades, até a segregação das raças e o branqueamento da população, vistas como medidas mais radicais. Acreditava que os exercícios físicos eram importantes práticas eugênicas, já que permitiam a conquista de corpos fortes e vigorosos (